Os impactos da dissociação em nossa sociedade
Diante de um futuro incerto, surge a indagação sobre qual será o destino da humanidade: pereceremos devido aos impactos devastadores das indústrias sobre o meio ambiente, ou sucumbiremos diante de uma possível detonação nuclear? A reflexão sobre os desafios que se apresentam nos leva a questionar os caminhos que estamos trilhando e as consequências que poderão surgir se não houver uma mudança significativa em nossas ações e políticas globais.
“Tampouco romances têm sido lidos com uma aspiração de descolamento das emoções que suscitam. Na verdade, muitos dos maiores romancistas, como Dickens e Dostoiévski, compreenderam suas obras como contribuições às reflexões da sociedade sobre seu futuro” – Martha Nussbaum
Em Filosofia Grega e Romana coletânea organizada por David Sedley, a mesma autora complementa a citação acima: ” tendência a pensar na literatura como um gênero distinto da música e das ‘belas artes’ (pintura e escultura). Para os gregos desse período , toda a poesia tinha algum tipo de acompanhamento musical, e quase toda música tinha um texto a compor com ela. Texto e melodia/ritmo estavam, em geral, intimamente relacionados.”
O que nos fez dissociar o que antes fora harmônico? A separar a arte da vida, o ser humano da natureza, o indivíduo da sociedade?
Passamos, na última semana, pelas trevas, literalmente. O sol ficou escondido pela nuvem de fumaça das queimadas, criminosamente deflagradas e pela extremas climáticas (desculpem a redundância). Em Jundiaí, segundo relatos, o terrorista que colocava fogo na mata estaria tatuado até mesmo com suásticas. Como foi que nos perdemos? Como deixamos o uno para nos fragmentarmos nos descaminhos da dissociação?
Chegamos a tal ponto que até um ministro de relações exteriores, no caso, o da Espanha, se permite mentir da forma mais descarada, fazendo jus, é verdade, a seus antepassados genocidas e ladrões, que em terras de América mataram e roubaram como nunca antes nem depois se vira na história da humanidade. Aos fatos: o fantoche do Norte, o candidato Edmundo González, que – como Trump, Bolsonaro e outros da extrema-direita – reivindicava ter ganho o pleito presidencial na Venezuela, sem que o tivesse de fato, recebeu asilo político na Espanha e para lá voou (às expensas dos defraudados contribuintes espanhóis), em avião da força aérea espanhola. O brilhante chanceler, entretanto, declarou que não houvera contato com o governo Maduro. Se assim fosse, por onde saiu o oposicionista? O avião o abduziu, qual disco voador? Todos sabemos que, para sobrevoar e pousar em um país, é necessária a autorização desse mesmo Estado. Portanto, o tal ministro mentiu descaradamente para as câmeras de todo o mundo, demonstrando um grau de alienamento da verdade digno apenas do passado de barbárie colonial do país dele.
No entanto, enquanto este fazendão Brasil, exportador de água, queimava suas plantas, animais, filhos e filhas, qual um Isaac que o Onipotente não salvara do holocausto (e lembrando que soja em grão, celulose e carnes são basicamente água, embora em formas variadas), a Europa, mais uma vez, dava mostras de loucura coletiva, pois a dissociação, como sabemos, é o sinônimo mais próximo da folia, esta estádio último daquela. De fato, segundo a imprensa inglesa, o recém-eleito primeiro-ministro britânico viajou a Washington para se encontrar com seu homólogo, Joe Biden, para, entre outras pautas, advogar pela autorização para que o presidente não-eleito da Ucrânia (o atual teve seu mandato expirado) possa utilizar mísseis de longo alcance contra a Rússia. O Kremlin respondeu que, nessa eventualidade, se reservaria as respostas que julgasse pertinentes, pois a medida significaria estado de guerra entre a Otan e a Rússia. Traduzindo em miúdos: a opção nuclear não estaria excluída, o que conduziria a uma terceira guerra mundial, como aludiu o chanceler da Rússia e, consequentemente, ao fim da aventura humana sobre a Terra.
Para nós, brasileiros e brasileiras, a questão que se coloca é se iremos morrer assados, por obra ou cozidos, pela eventual detonação nuclear. Uma boa métrica do quanto regredimos como comunidade internacional é o texto de Glenn Most na obra antes citada, em que nos recorda sobre a antiguidade grega e romana: “Lá onde as fronteiras entre o certo e o errado em sua própria religião estavam longe de se mostrar claras, pouco sentido fazia insistir na importância de tais fronteiras entre religiões – na verdade, os antigos eram fascinados por religiões estrangeiras e, em geral, se mostravam ávidos por identificar similaridades e adotar cultos”. Ao contrário, atualmente, usamos até as religiões – cujo cerne comum é o amor ao próximo – para justificar extremismos, terrorismos e até guerras, como vemos no genocídio perpetrado pela extrema-direita judaica, contra a população palestina, há quase um século. A essa aparente inevitabilidade do fim dos tempos, a citada autora, Martha Nussbaum, oferece um caminho na referida obra: “O medo, de modo semelhante, envolve tanto a dor quanto o pensamento: o pensamento de que vários infortúnios são iminentes e de que nós não estamos em plena condição de afastá-los. Como a piedade, então, o medo envolve a ideia de que elementos da vida humana que são importantes para o bem-estar de uma pessoa jazem para além do controle dela”. Nussbaum complementa: “O enredo de um drama trágico, como Aristóteles observou, tende a girar em torno de uma reversão, ou ‘peripeteia’, nas fortunas de um herói (ou heroína), que caracteristicamente é uma boa pessoa, ‘melhor do que pior’, embora não perfeita ou divina…”. Como eles, resta-nos buscar a reintegração, antes que o fogo nos leve à desintegração total.