O cerco às fintechs digitais: como operadores financeiros estão sendo proibidos de atuar no Brasil
Em 2025, o setor financeiro digital brasileiro vive um momento de tensão. Cada vez mais, instituições de pagamento, fintechs e gateways de pagamento enfrentam proibições, bloqueios e restrições para operar no Brasil. Investigadas pela Polícia Federal (PF), por auditores da Receita Federal e por operações conjuntas com o Banco Central, muitas empresas que prometiam inovação no mercado financeiro estão sendo desativadas ou forçadas a migrar suas atividades para fora do país.

O novo ambiente regulatório e o auge das investigações
A apreensão pública do fenômeno começou com a Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto de 2025 pela Receita Federal com apoio da Polícia Federal, do Ministério Público e de outros órgãos estaduais e federais. Segundo a investigação, organizações criminosas utilizaram fintechs como “bancos paralelos” para lavar dinheiro proveniente do setor de combustíveis, movimentando cerca de R$ 46 bilhões entre 2020 e 2024.
Em palestras e entrevistas recentes, autoridades vêm alertando que é “inadmissível” que fintechs atuem sem os controles e exigências que se aplicam aos bancos tradicionais — sobretudo no que diz respeito à rastreabilidade de recursos e à transparência das operações.
Como resposta, já foi editada uma Instrução Normativa da Receita que equipara as fintechs a bancos em termos de obrigações de reporte de movimentações de clientes, revogando brechas regulatórias que até agora permitiam uma certa opacidade.
Além disso, o Banco Central anunciou medidas urgentes para limitar o uso de intermediários técnicos — conhecidos como PSTIs — impondo tetos para transações via Pix e TED realizadas por instituições de pagamento, como estratégia para frear o uso desses canais em esquemas ilícitos.
“Proibições” via bloqueios, restrições e descredenciamentos
Embora não exista uma lei federal explicitamente proibindo fintechs de operar digitalmente, o efeito prático das medidas regulatórias e das operações policiais tem gerado uma onda de censura operacional:
• Instituições de pagamento têm sido descredenciadas de sua conexão com o sistema financeiro nacional, perdendo a capacidade de fazer transações dentro do Brasil.
• Algumas empresas sofreram bloqueio judicial de contas, apreensões de bens e suspensão de operações, mesmo antes de condenações definitivas.
• Operações via Pix ou TED são limitadas por imposição do Banco Central até que demonstram conformidade com novos requisitos de segurança.
• Gateways de pagamento, por sua vez, veem cláusulas contratuais com bancos de liquidação sendo interrompidas ou renegociadas com exigências cada vez mais rígidas.
O resultado: fintechs menores — sem estrutura robusta de compliance — estão desistindo do mercado nacional ou migrando para países com regimes regulatórios menos severos. Há cada vez menos novos entrantes de fintechs no Brasil frente ao risco regulatório crescente.
A Polícia Federal no cerco: investigações ampliadas
Além da Carbono Oculto, outras operações recentes demonstram que a PF está mirando com força o setor financeiro digital:
• Em agosto de 2025, mandados de busca e apreensão foram cumpridos em empresas localizadas na Avenida Faria Lima, em São Paulo, como parte de investigações sobre uso de fintechs para lavagem de dinheiro.
• A Operação Integration, deflagrada em 2024, investigou esquemas de lavagem de dinheiro envolvendo plataformas de apostas — uma esfera em que intermediários digitais bancários frequentemente atuam para dissimular origem de recursos.
Fontes próximas à PF afirmam que operações futuras poderão atingir ainda fintechs de nicho com movimentações “suspeitas” ou relações com fundos de alto risco, mesmo sem laços evidentes com crime organizado.
O impacto no mercado e nos consumidores
O endurecimento regulatório e as paralisações têm efeitos significativos:
• Restrição da concorrência: fintechs eram consideradas responsáveis por democratizar o acesso a serviços financeiros baratos e desburocratizados. Com sua saída, bancos tradicionais podem recuperar espaço.
• Aumento de tarifas e obstáculos operacionais: para sobreviver, as empresas remanescentes tendem a repassar custos regulatórios (com auditoria, segurança, compliance) para clientes.
• Desconfiança institucional: clientes, empresários e investidores ficam receosos de aderir a novas fintechs — a instabilidade regulatória reduz investimentos no setor.
• Vazão de talentos para o exterior: startups brasileiras ou ligadas ao mercado digital financeiro podem preferir centros mais favoráveis, como países com regulação fintech modular.
Especialistas alertam que, embora seja legítimo fiscalizar e coibir crimes financeiros, o “medo regulatório” pode sufocar a inovação e elevar a concentração no setor bancário tradicional.
Narrativa em curso: fintechs como “alavanca” do crime
A narrativa que ganhou força nos discursos governamentais é a de que fintechs e instituições de pagamento eram usadas como uma “caixa preta do sistema financeiro”, favorecendo o crime organizado pela falta de regulação equivalente àquela imposta aos bancos.
Segundo essas narrativas, ao fechar “as brechas”, as autoridades estariam fechando portas para lavagem, evasão fiscal e ocultação de patrimônio. Porém, críticos apontam que o risco é transformar inovação regulada em regulação que asfixia inovação.