Mulheres negras e autodeterminação

O grupo político progressista considera as mulheres negras como indivíduos que necessitam de ajuda para serem resgatadas. Uma alternativa interessante seria repensarmos a maneira como enxergamos essas mulheres, que compõem atualmente 26% da comunidade evangélica, a fim de conseguirmos estabelecer laços e diálogos com elas antes que sejam atraídas pela extrema-direita.

Pregadora evangélica na Praça da Sé, no centro de São Paulo (Foto: iStock) Reprodução: https://www.cartacapital.com.br/

Mais um novembro se inicia e com ele chega o período de reflexão e conscientização sobre a importância do mês da consciência negra. Esse momento muitas vezes provoca um aperto no estômago em nós, brasileiros que nos deparamos com as diversas facetas da luta antirracista. Enquanto alguns defendem a consciência humana de forma bem-humorada, há aqueles que enxergam as pessoas negras como dependentes da caridade dos brancos, desviando o foco do real combate ao racismo estrutural.

Novembro é o momento em que se espera demonstrar o sofrimento imposto pelo racismo às pessoas negras no Brasil, contudo, é necessário que os brancos revejam seus privilégios e se engajem de forma efetiva na luta por igualdade. A romantização da superação das adversidades enfrentadas pelas mulheres negras acaba por criar uma imagem distorcida da realidade, enaltecendo-as como guerreiras que suportam tudo e superam qualquer obstáculo.

Esse ideal de força da mulher negra remete às heranças deixadas pela escravidão, que as submetiam a trabalhos forçados em condições precárias de sobrevivência. Nesse cenário, o mês da consciência negra se torna palco para homenagear figuras emblemáticas como Elza Soares, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Marielle Franco e Dona Mirtes, cujas trajetórias de luta e superação se tornaram símbolos de resistência.

A expressão “dororidade”, cunhada por Vilma Piedade, busca capturar a incessante revitimização das mulheres negras, mas também ressalta as conexões que suas cicatrizes criam em seus corpos e almas. É fundamental compreender que essas feridas não as definem, mas sim as fortalecem. Como bem expressou Emicida em sua música “Amarelo”, é imprescindível que as mulheres negras sejam ouvidas para além de suas marcas.

No entanto, é preciso desconstruir estereótipos que rotulam as mulheres negras, especialmente as evangélicas, como alienadas e sem capacidade crítica. Muitas dessas mulheres são verdadeiras batalhadoras, sustentando suas famílias com dignidade e fé, mesmo diante de desafios econômicos e sociais. A visão dessas mulheres como irracionais por sua fé não condiz com a realidade de suas vidas e lutas diárias.

O campo progressista muitas vezes negligencia as mulheres negras evangélicas, subestimando-as e desconsiderando suas vozes e contribuições para a sociedade. É essencial compreender que essas mulheres se autodeterminam, resistindo às imposições da sociedade e reafirmando seu papel como protagonistas de suas próprias histórias. É fundamental respeitar e valorizar a diversidade de experiências e trajetórias dessas mulheres, sem reduzi-las a estereótipos simplistas.

Para estabelecer uma verdadeira conexão e diálogo com as mulheres negras evangélicas, é necessário compreender suas realidades, dilemas e conquistas, sem julgamentos superficiais ou preconceitos. Somente ao reconhecer a humanidade e autonomia dessas mulheres, poderemos construir pontes efetivas e promover a igualdade e inclusão em nossa sociedade. É hora de romper com os padrões impostos e valorizar a diversidade e a força das mulheres negras em toda a sua pluralidade e singularidade. Novembro da consciência negra é mais do que lembrar as dores do passado, é também celebrar as conquistas e resistências do presente.

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