Invasão discreta das apostas em Brasília
Empresas de apostas sem sede no Brasil surpreendem ao investirem significativamente em estratégias de marketing e em encontros com membros do governo brasileiro. Somente nos últimos dois anos, foram realizadas mais de cinquenta reuniões.

Em dezembro de 2023, o presidente Lula sancionou a lei que regulamenta as bets. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil Reprodução: https://www.cartacapital.com.br/
Nos bastidores do poder, um novo e controverso protagonista tem atraído toda atenção: as apostas online, conhecidas popularmente como bets, têm marcado presença em mais de 50 reuniões em menos de dois anos. Mesmo sem ter sede no Brasil, essas empresas têm sido frequentes nos gabinetes do Executivo, alimentando um ciclo vicioso de discussões. A pauta sobre a legalização dos jogos de azar, recorrente a cada mudança de governo, ganhou novo fôlego com o surgimento das apostas online a partir de 2023, trazendo consigo desafios e preocupações adicionais.
Empresas renomadas como Sportingbet, Betano, Bet7k e Bet365 se destacam nesse cenário, patrocinando eventos e intensificando sua presença na rotina dos brasileiros, além de serem presenças constantes nas agendas do poder executivo. Ao longo dos últimos 20 meses, as bets se tornaram tão impactantes quanto políticos em campanha, agendando 52 reuniões que se tornaram quase diárias conforme a possibilidade de regulamentação se aproximava.
A disparidade entre as 15 empresas de apostas presentes nas agendas do governo, sendo apenas 3 sediadas no Brasil, revela um paradoxo preocupante. Embora existam leis tentando limitar as operações dessas empresas ao território nacional, como a Lei 13.756 de 2018, a Lei 14.790 de 2024 e uma portaria recente do Ministério da Fazenda, a realidade mostra que a grande maioria atua de forma remota, exercendo considerável influência sobre as decisões políticas e econômicas do país.
Essa presença invisível amplia o ambiente de incerteza e falta de proteção aos consumidores brasileiros. A falta de integração das empresas ao sistema tributário nacional não apenas prejudica a arrecadação de impostos, mas também evidencia fragilidades na fiscalização e responsabilização dessas entidades. Essas questões levaram à criação da CPI das Apostas, que investigou possíveis manipulações e irregularidades no setor, evidenciando a fragilidade da regulamentação vigente.
Mais de 15 empresas de Bet se reuniram com o governo para tratar do tema, sendo representadas por entidades como a ANJL – Associação Nacional de Jogos Legais e o IBJR – Instituto Brasileiro de Jogos Responsáveis. No entanto, as empresas fizeram questão de se encontrar individualmente com as autoridades, destacando a Bet365, sediada no Reino Unido, como protagonista nesse diálogo.
Apesar dos desafios abrangentes do setor, as reuniões com autoridades, conforme as agendas do governo, têm se concentrado principalmente na Casa Civil e no Ministério da Fazenda, negligenciando pastas importantes como o Ministério da Justiça e da Saúde. Isso evidencia a preocupação do setor apenas com questões regulatórias e arrecadatórias, desconsiderando os impactos sociais do vício em apostas.
A presença das bets nas altas esferas políticas envolveu mais de 20 agentes públicos em reuniões, tendo José Francisco Manssur, ex-assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, como principal interlocutor do governo nesse contexto. Manssur, que teve papel ativo na regulamentação das apostas por cota fixa no Brasil, deixou o cargo em fevereiro de 2024, abrindo espaço para negociações com o Centrão, grupo com interesse significativo na pauta de jogos de azar.
Recentemente, o relatório da reforma tributária incluiu as bets no chamado Imposto do Pecado, com uma alíquota de 12% e a exigência de 15% sobre os prêmios como Imposto de Renda. Além disso, as empresas devem ter operação no Brasil e pagar uma outorga de R$ 30 milhões para atuar por 5 anos. Com a regulamentação em andamento, mais reuniões devem ocorrer antes do pleno funcionamento do mercado de apostas regulado em 2025, intensificando o debate sobre equilíbrio entre arrecadação, proteção ao consumidor e responsabilidade social, desafiando o governo a conciliar esses interesses divergentes.