Importância da amamentação como trabalho

O chamado para que o Estado cumpra seu papel fundamental de garantir os direitos da população e fiscalizar o cumprimento das leis, a fim de implementar políticas que assegurem e promovam a prática da amamentação em todos os âmbitos, se faz necessário e urgente.

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Agosto passou e as campanhas de amamentação se intensificam: se fala que amamentar é bom, protege o bebê, fortalece o vínculo entre a mãe e o bebê — entre outros benefícios amplamente conhecidos. O leite materno, como já bem sabemos, é o melhor alimento para o bebê. São vários os estudos e entidades, incluindo aí a UNICEF, que apontam que ele protege contra infecções, fornece todos os nutrientes necessários, mantém o bebê hidratado e nutrido — mesmo em circunstâncias extremas —; além de promover um crescimento saudável e proteger a mulher contra o câncer de mama.

Mas se amamentar é realmente tão benéfico e todos reconhecem sua importância, por que ainda precisamos insistir tanto em algo aparentemente óbvio? Como especialista em amamentação, ouço das mães que atendo como o acesso à assistência de qualidade foi crucial para que conseguissem amamentar. Muitas delas expressam que esse privilégio foi fundamental para o sucesso da amamentação. Não raramente, avós, tias, amigas e irmãs que acompanham as consultas se emocionam ao lembrar das dificuldades que enfrentaram e das vezes em que, infelizmente, não conseguiram amamentar. Parece mais comum ouvir histórias de tentativas frustradas do que de amamentações bem-sucedidas. O fato é que a lactação não é sobre tentativa e erro, sorte ou esforço individual, mas sobre um esforço coletivo e iniciativas que foquem nos desafios que impactam a duração da amamentação.

A Organização Mundial da Saúde recomenda que a amamentação seja exclusiva e em livre demanda até os seis primeiros meses de vida do bebê e que continue até, pelo menos, os dois anos. Para isso, não basta que a mãe, sozinha, por escolha própria, leve o bebê ao seio. O acesso a esse direito começa muito antes e vai muito além das ações individuais de quem amamenta. No pré-natal, é essencial que as gestantes recebam informações de qualidade sobre amamentação. Isso inclui avaliar fatores de risco para a produção de leite, considerar o contexto de vida daquela família, desmistificar mitos que possam prejudicar a amamentação e ensinar sobre a pega correta do bebê.

Durante a internação na maternidade, garantir que os bebês sejam amamentados e que as mães saibam como amamentar deveria ser uma prioridade. Contudo, muitas famílias ainda recebem, na alta hospitalar, a sugestão de oferecer fórmula infantil “caso necessário”. Mas quem determina essa necessidade? Uma família inexperiente, com um recém-nascido, foi realmente preparada para avaliar isso sozinha? E, quando necessário, quem orienta adequadamente sobre a oferta do leite materno?

Superados os obstáculos iniciais, surge outro desafio: a volta ao trabalho. Como manter a amamentação exclusiva e em livre demanda quando a mãe precisa retornar ao trabalho antes de o bebê completar seis meses? Mesmo entre as mães com carteira assinada, que têm direito à licença-maternidade, muitas enfrentam dificuldades. Poucos empregadores cumprem as exigências para a disponibilização de lactários, como estipulado pelas CLT. Para as trabalhadoras informais, que representavam 36,1% dos trabalhadores do país no final de 2023, segundo o IBGE, a situação é ainda mais precária, já que nem o direito à licença-maternidade lhes é garantido.

Se queremos que a amamentação seja um direito acessível, as alternativas precisam ser coletivas. A amamentação deve ser abordada desde a infância nas escolas para que as crianças cresçam sabendo se tratar de um processo fisiológico, natural e desprovido de tabus. Assim, na vida adulta, terão uma visão madura e informada sobre a importância desse momento. Creches, babás e escolas infantis devem ser capacitadas para lidar com o leite materno como o alimento essencial que é. A infraestrutura necessária é mínima: geladeira, fogão, copo e mãos bem lavadas.

Escolas que atendem mães, sejam elas alunas ou funcionárias, também precisam se adaptar. Nós, profissionais de saúde, também precisamos rever nosso conhecimento sobre amamentação. Muitos de nós saímos das universidades sem uma formação sólida sobre a psicofisiologia da lactação. É mais comum que um recém-formado saiba prescrever fórmula infantil do que avaliar se um bebê está mamando adequadamente. É necessário ampliar a carga horária dedicada à lactação humana nos currículos dos cursos de saúde.

Se uma mulher passa em média quarenta horas semanais amamentando, como sociedade deveríamos reconhecer a amamentação como trabalho — o trabalho de nutrir e formar a próxima geração. Isso nos leva a refletir sobre as lacunas nas políticas públicas. O Estado deve ser convocado a cumprir seu papel como garantidor de direitos, fiscalizando o cumprimento das leis, criando novas políticas que protejam a amamentação em todas as esferas e garantindo que o direito de amamentar seja acessível a todas as mulheres — em qualquer circunstância.

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