Evento sobre psicodélicos no Rio une tensão e aplausos
Críticas surgiram sobre a falta de representatividade de pessoas pretas e indígenas no encerramento do evento, porém, houve elogios pela abrangência de temas que ultrapassaram a área da farmacologia.
A segunda edição do Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos, que aconteceu nos dias 8 e 9 de novembro no Rio de Janeiro, terminou envolto em uma atmosfera paradoxal. Houve críticas por parte de uma parcela do público em relação à baixa representatividade de pessoas pretas e indígenas, além de problemas organizacionais e de acesso aos espaços de debate, o que gerou tensão no encerramento do evento. Apesar dessas críticas, o congresso, organizado pela APB (Associação Psicodélica do Brasil), recebeu elogios por oferecer entrada gratuita e por abordar temas que ultrapassam a perspectiva predominantemente farmacológica.
Durante a mesa intitulada “Plantas Professoras e Povos Indígenas”, que ocorreu na tarde do dia 9, a psicanalista Jéssica Goudar celebrou a presença de indígenas e descendentes de povos originários na discussão, porém criticou o fato de que essa representatividade tenha ocorrido somente no segundo dia do congresso. Goudar também expressou desconforto com o uso do termo “índios” por alguns pesquisadores, afirmando que isso não reconhece os saberes dos povos originários e os retrata sob uma ótica colonial. Suas observações desencadearam críticas ao evento, acusando-o de perpetuar uma espécie de supremacia branca que silencia a voz das pessoas negras no congresso.
Para Goudar, a manutenção de atitudes coloniais prejudica todo o campo psicodélico. Ela ressaltou a importância de ressignificar práticas dentro da academia e repensar posturas coloniais em um território onde todos possuem vivências racializadas. Outro questionamento relevante partiu de Max Nunes, psicólogo negro da periferia, que levantou a questão sobre como é possível realizar um congresso brasileiro sobre psicodélicos sem incluir as cosmovisões e epistemologias africanas e indígenas.
As críticas de Nunes ecoaram com as de Joice Cruz, biomédica e uma das poucas pessoas negras a participar do evento. Cruz ressaltou que seu trabalho teve visibilidade limitada por não ter sido transmitido online, sentindo-se isolada, reflexão que parece ser compartilhada por outras pessoas negras presentes no congresso. Em resposta, a organização do evento se pronunciou afirmando que o critério de participação estava baseado no envolvimento aprofundado com a temática, seja de forma acadêmica, militante, clínica ou política, buscando a maior pluralidade possível nas mesas.
A APB se comprometeu a aprimorar os aspectos criticados e declarou que as demandas e críticas recebidas nortearão a construção de uma próxima edição mais plural. Durante o painel “Plantas Professoras e Povos Indígenas”, a bióloga Guarani Kaiowá, Kellen Natalice Vilharva, destacou a importância da empatia com os povos originários, corrigindo o uso do termo “índio” no evento. Ela compartilhou sua pesquisa e evidenciou a resistência enfrentada pela tradição de seu povo no uso de plantas como o cedro rosa no meio acadêmico.
O congresso, que reuniu cerca de 600 pessoas, teve o apoio de diversas universidades e conselhos regionais de psicologia, além da presença de associações e ONGs, como o Instituto Chacruna, a Rede Reforma e a Scirama. Diversas instituições renomadas estiveram presentes, incluindo a UFRJ, PUC-Rio, Unifesp, Unicamp e UFG. O evento contou com a participação da revista Psicodelicamente em duas mesas de debate.
Para captar a percepção dos participantes, a Psicodelicamente entrevistou alguns presentes. A advogada Bettina Maciel, da Planta Madre, apontou dificuldades no primeiro dia do congresso, especialmente em relação à recepção e ao prédio do auditório principal. No entanto, ela reconheceu melhorias na organização ao longo do evento. Já Rebeca Lima, estudante de psicologia, enxergou o congresso como uma porta de entrada para uma área de interesse, despertando uma nova visão e a vontade de aprofundar o conhecimento sobre as plantas de poder e seus contextos.
A jornalista Carolina Apple, colunista de psicodelia do Brasil de Fato, elogiou o evento e concordou com algumas críticas, evidenciando a necessidade de reflexão levantada pelo psicólogo Max Nunes. Em uma postagem crítica, Nunes questionou o papel da APB no processo de expansão dos psicodélicos no Brasil, instigando a reflexão sobre como a associação gostaria de ser lembrada.