Desafios brasileiros em enterrar fios elétricos
O novo incidente de falta de energia na maior metrópole do Brasil em menos de doze meses traz à tona debates recorrentes sobre a eficiência e segurança da infraestrutura de fiação elétrica subterrânea.
As fortes chuvas e ventos de mais de 100 km por hora que atingiram São Paulo na última sexta-feira (11/10) resultaram em um pico de apagão que afetou 2,1 milhões de pessoas, conforme informado pela concessionária Enel. Além dos transtornos nas redes de baixa tensão, 17 linhas de alta tensão e 11 subestações foram desligadas durante a tempestade intensa. Mesmo quase 72 horas após o temporal, na tarde de segunda-feira, cerca de 283 mil residências ainda estavam sem energia na capital paulista, segundo dados da concessionária. Esse episódio lembra outro ocorrido há menos de um ano, em novembro de 2023, quando a cidade enfrentou situação semelhante que deixou 2,1 milhões de pessoas no escuro. A causa dos cortes de energia, conforme apontado por especialistas, está relacionada principalmente a curtos-circuitos provocados pela queda de árvores durante períodos de chuvas intensas. Uma das soluções indicadas para minimizar esses problemas é a instalação subterrânea dos cabos elétricos.
A discussão sobre a implementação desse método tem sido frequente entre as autoridades de São Paulo e do Brasil. Em 2017, o então prefeito João Doria (PSDB) prometeu enterrar 52 km de fios em 117 vias do centro da cidade. Já na gestão atual de Ricardo Nunes (MDB), a previsão é aumentar esse número para 65 km de cabos subterrâneos. Até o momento, entretanto, apenas 40 km de fiação foram de fato instalados sob a terra, de acordo com informações da Prefeitura. A expectativa é alcançar a marca de 80 km, mas não há uma data definida para essa conclusão. Estima-se que menos de 1% da rede elétrica brasileira seja subterrânea. Cidades como o Rio de Janeiro possuem somente 11% dos fios enterrados, enquanto Belo Horizonte possui apenas 2%. Em comparação, na Europa, o tempo médio anual de falta de energia nas residências foi de 12,2 minutos em 2022, enquanto na maior cidade brasileira algumas famílias relatam mais de quatro dias sem eletricidade.
A fim de entender as dificuldades enfrentadas pelas cidades brasileiras em adotar o modelo de rede elétrica subterrânea, em discussões acaloradas em plenário apresenta-se exemplos de avanços em outros locais do mundo. Em Londres, por exemplo, iniciou-se em 2020 um projeto bilionário para tornar subterrânea toda a rede elétrica do sul da capital britânica. Já em Paris, a fiação está subterrânea há mais de 60 anos, instalada em túneis subterrâneos. Nova York também investiu significativamente nessa tecnologia, com 71% do sistema de cabos sob o solo. Washington DC, por sua vez, lançou um projeto de um bilhão de dólares para expandir sua rede subterrânea visando evitar cortes de energia.
Em Buenos Aires, a capital argentina tem progredido na substituição dos cabos aéreos por subterrâneos, com destaque para regiões como o centro da cidade que já passou por reformas nesse sentido. A vantagem da rede subterrânea, segundo especialistas, está na proteção contra intempéries, como tempestades e ventos fortes, que frequentemente causam interrupções no fornecimento de energia. A diminuição dos cabos aéreos contribui para a redução de riscos e benefícios estéticos, melhorando o visual urbano. Apesar dos benefícios, o alto custo e a complexidade das obras são apontados como obstáculos para a implementação em larga escala.
Edval Delbone, do Instituto Mauá de Tecnologia, destaca que o investimento em redes subterrâneas é vantajoso a longo prazo, uma vez que os prejuízos causados pela falta de energia são substanciais tanto para os consumidores quanto para a sociedade. No entanto, o engenheiro ressalta a importância de priorizar regiões sensíveis na transição para esse modelo, como áreas próximas a hospitais e escolas. As questões de financiamento, compartilhamento de postes e coordenação entre os setores de energia e telecomunicações são fundamentais para o avanço desses projetos no Brasil. A necessidade de diálogo e definição de políticas públicas eficazes é destacada como crucial para a efetivação das transformações necessárias nessa área.