Crescimento de 76% nas queimadas em terras indígenas

O aumento das queimadas em terras indígenas entre 2023 e 2024 foi de 76%, causando impactos significativos na saúde das populações vulneráveis. Esse cenário alarmante revela uma crescente ameaça ao meio ambiente e à saúde dessas comunidades que dependem diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivência. A destruição causada pelo fogo não só prejudica a biodiversidade local, mas também intensifica problemas respiratórios e outras doenças entre os habitantes dessas áreas. Medidas urgentes e eficazes são necessárias para conter esse avanço devastador e proteger não apenas as terras indígenas, mas também a vida e o bem-estar daqueles que nelas habitam.

Brigadistas indígenas usam abafadores para combater o fogo no Parque Nacional do Xingu Foto: Vinícius Mendonça/Ibama / BBC News Brasil Reprodução: https://www.terra.com.br/

Quando partiu do Oeste do Amazonas em direção à Terra Indígena Capoto-Jarina, em Mato Grosso, a psicóloga Jaqueline Aparício, integrante da etnia Kokama, tinha ciência de que enfrentaria um desafio ao chegar. No entanto, nada poderia tê-la preparado para o que encontrou. A aldeia Piaraçu, para onde foi designada a trabalhar, estava envolta em fumaça. “Nosso território é uma extensão de nosso corpo. Faz parte de nossa espiritualidade. Presenciar a destruição de animais ou árvores é como testemunhar nossa própria destruição”.

O relato de Jaqueline Aparício destaca um dos aspectos menos visíveis da crise ambiental oriunda dos incêndios florestais no Brasil: os danos causados pelo fogo nas terras indígenas do país neste ano. Um levantamento exclusivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), informa a extensão dos estragos provocados pelas queimadas nestes territórios. De acordo com os dados, entre janeiro e agosto deste ano, os incêndios destruíram 3,08 milhões de hectares em áreas destinadas aos povos indígenas, equivalente a 27% dos mais de 11 milhões de hectares queimados em todo o Brasil.

O aumento na área queimada em terras indígenas em relação ao ano anterior foi de 76%. Os impactos das queimadas são sentidos por toda a comunidade, especialmente por jovens e idosos que enfrentam problemas respiratórios. O avanço das queimadas dificulta o acesso aos territórios, destrói moradias, plantações e coloca em risco a segurança alimentar das comunidades. Lideranças indígenas e ambientalistas ressaltam que os principais fatores responsáveis por esse aumento são as mudanças climáticas e a expansão do agronegócio.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) comunicou que contratou mais de três mil brigadistas, sendo metade indígenas, e que foi disponibilizado um adicional de R$ 514 milhões no orçamento para o combate aos incêndios em todo o Brasil. Entretanto, órgãos como Funai, Ibama e ICMBio não responderam aos questionamentos. O aumento das áreas devastadas pelo fogo em terras indígenas ocorre em meio à pior temporada de incêndios em 14 anos no Brasil, com um crescimento de 98% no número de queimadas em comparação com o ano anterior.

Enquanto o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registra o número de focos de incêndio, o IPAM avaliou a extensão total destruída. No período de janeiro a agosto deste ano, estima-se que os incêndios consumiram 11,3 milhões de hectares no Brasil, um aumento de 117% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando foram destruídos 5,2 milhões de hectares. Ambas as análises utilizaram dados de satélites, focando em aspectos distintos: o Inpe nos focos de incêndio e o IPAM na extensão das áreas afetadas.

Esse contexto reflete a grave degradação ambiental no Brasil, com impactos significativos em áreas protegidas e territórios indígenas. Mesmo com as medidas anunciadas pelo governo federal para lidar com a crise, como o aumento de brigadistas e a contratação de aeronaves, o número de focos de calor continua a crescer. Em meio ao aumento dos incêndios, comunidades nas terras indígenas experimentam dificuldades diversas. A técnica em enfermagem Márcia Glauciane de Araújo Pereira dos Santos relatou que há mais de um mês a aldeia Piaraçu está coberta por fumaça, causando problemas respiratórios especialmente em crianças e idosos.

Jaqueline Aparício descreve a demanda crescente por atendimento no posto de saúde localizado na aldeia, especialmente por crianças e idosos com complicações respiratórias. Os problemas vão além da saúde: a queda de árvores ocasionada pelo fogo danificou a linha de transmissão de energia, deixando a comunidade sem eletricidade, dependendo de geradores a combustível. Isso impactou, inclusive, o armazenamento de medicamentos, afetando pacientes que necessitam de cuidados específicos, como os que fazem uso de insulina.

Outra consequência das queimadas é a dificuldade no deslocamento de pacientes, com a fumaça dificultando pousos de aeronaves. Marcia compartilhou o caso de uma indígena grávida que precisou ser levada de emergência por terra, resultando numa viagem de oito horas que, de avião, duraria pouco mais de uma hora. A Diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, destaca que as mudanças climáticas e a expansão do agronegócio são os principais motivos do aumento da área queimada em terras indígenas.

Ela ressalta que, embora os indígenas utilizem o fogo de forma tradicional na gestão da terra, as mudanças climáticas podem estar intensificando as queimadas. Alencar destaca que a maioria dos incêndios em terras indígenas é proveniente de áreas externas, pressionadas pelo agronegócio. Dinamam Tuxá, da Apib, também enfatiza que parte desse crescimento nas queimadas é resultado de ações criminosas, e critica a falta de efetividade do governo no combate aos incêndios nessas áreas.

Tuxá ressalta a necessidade de uma estratégia permanente para punir os responsáveis por queimadas ilegais. O governo federal, ciente das críticas, tem buscado medidas para conter os incêndios, incluindo propostas de aumento nas punições para quem provoca queimadas ilegais. No entanto, de acordo com Ane Alencar, faltou planejamento do governo federal para lidar com a crise deste ano, que se viu surpreendido pela dimensão dos incêndios e ação criminosa em meio à seca histórica.

Neste cenário alarmante, a atuação integrada entre órgãos governamentais e a sociedade civil é essencial para conter os danos causados pelas queimadas nas terras indígenas e preservar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *