Casos de raiva em capivaras no litoral de SP são identificados
Segundo informações reveladas, a variante descoberta na Ilha Anchieta, localizada no município de Ubatuba, compartilha semelhanças genéticas com o vírus encontrado em morcegos-vampiros. Essa descoberta levanta a possibilidade de os morcegos terem se alimentado do sangue de roedores durante algum distúrbio no ecossistema local. Essa interação entre diferentes espécies pode ter sido um fator determinante na propagação dessa variante viral, destacando a importância do estudo contínuo da relação entre animais e agentes infecciosos para a compreensão e prevenção de futuras epidemias.
Pesquisadores descobriram que a causa da morte de três capivaras encontradas sem vida na Ilha Anchieta, localizada no município de Ubatuba, litoral norte de São Paulo, entre dezembro de 2020e janeiro de 2024, foi encefalite provocada pelo vírus da raiva. Duas dessas capivaras apresentaram sintomas de paralisia nas patas traseiras antes de virem a óbito. Análises detalhadas dos cérebros dos animais foram realizadas no Instituto Pasteur, em São Paulo.
Este é o terceiro registro de casos de raiva em capivaras em todo o mundo, sendo o segundo no Brasil. Um estudo a respeito foi publicado na revista Veterinary Research Communications. Além disso, a pesquisa, que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), revelou que a variante do vírus identificada nas três capivaras era a mesma presente em morcegos-vampiros (Desmodus rotundus, na nomenclatura científica).
Enio Mori, pesquisador do Instituto Pasteur e coordenador do estudo, explicou que nos últimos anos houve um aumento no número de casos reportados de raiva em animais selvagens. Esse cenário é possivelmente associado a perturbações ambientais que desequilibram o ecossistema onde habitam os morcegos. Mori também mencionou um caso recente de um gambá infectado com o vírus, encontrado sem vida em Campinas.
Os eventos na Ilha Anchieta, um parque estadual em Ubatuba, ocorreram pouco tempo depois de uma reforma nas ruínas existentes na ilha em 2019. Durante essa reforma, o telhado de uma construção foi alterado, fazendo com que os morcegos perdessem temporariamente seus abrigos. Esse contexto resultou em um grande estresse nas colônias de morcegos, ocasionando brigas entre eles. Esse ambiente propício pode ter levado à transmissão do vírus da raiva para as capivaras, que são parte da dieta desses mamíferos alados.
De forma geral, o desmatamento também é apontado como um fator que contribui para o aumento dos casos de raiva. A redução no número de animais selvagens, que servem como fonte alimentar primária para os morcegos-vampiros, leva esses animais a buscar outras presas, como animais domésticos ou até mesmo seres humanos, para se alimentarem. Esse comportamento aumenta o risco de transmissão do vírus da raiva para novos hospedeiros.
As capivaras mortas foram encontradas por funcionários da Fundação Florestal, responsável pela administração do Parque Estadual da Ilha Anchieta. Amostras dos cérebros desses animais foram encaminhadas ao Instituto Pasteur, que faz parte de uma rede de laboratórios dedicados a realizar diagnósticos para vigilância epidemiológica da raiva, utilizando material enviado pelos centros de controle de zoonoses dos municípios.
Inicialmente, os pesquisadores e técnicos realizaram a detecção de antígenos para o vírus da raiva no tecido cerebral como procedimento de triagem. Todos os três casos apresentaram resultado positivo para a presença do vírus da raiva. Posteriormente, o isolamento do vírus foi efetuado como teste confirmatório. Embora uma das amostras estivesse muito deteriorada, impossibilitando o exame, foi possível sequenciar o genoma da partícula viral. Todos os testes confirmaram a presença da mesma variante identificada em morcegos-vampiros, indicando uma possível transmissão através de mordedura.
O único outro caso documentado de raiva em capivaras no Brasil foi publicado em 1985. Globalmente, outro caso foi relatado somente no norte da Argentina, em 2009. A identificação da variante viral presente nas capivaras mortas foi realizada somente neste estudo atual. Até o momento, não há registro de raiva humana transmitida por capivaras. Contudo, acidentes em que pessoas são mordidas por esses animais geralmente causam lesões graves. Ainda não há certeza se a saliva das capivaras contém o vírus, como acontece com os morcegos, que são reservatórios desse patógeno.
Enfim, como afirmou o pesquisador Enio Mori, a vigilância epidemiológica deve ser continuada para compreender o papel das capivaras no ciclo do vírus da raiva. É possível que esses animais atuem como hospedeiros finais, morrendo sem transmitir o vírus para outros animais. No entanto, novos estudos são necessários para confirmar essa suposição e explorar mais a fundo essa questão.