“Soy Loco por ti Améfrica” por Edergênio Negreiros Vieira
Edergênio Negreiros Vieira
A América Latina é uma terra de muitos encantos e de desencantos. De certa forma, é até mesmo um certo clichê falar das belezas naturais que o continente nos apresenta, são cachoeiras, montanhas, florestas, rios, mares, linguagens e uma rica diversidade que a todos cativam. A formação social dessa parte do planeta é também um caso à parte, marcada por uma história de lutas e resistências; por aqui se formaram povos, que lutam ainda hoje pelo simples direito de existir.
Foram batalhas, guerras, processos de luta e resistências que desafiaram e desafiam inúmeros intelectuais, que buscaram e buscam criar interpretações para tentar capturar e traduzir em linguagem qual, ou melhor, quais os sentidos que perfazem as formas de viver e de existir dos inúmeros “pueblos latinoamericanos”.
Dentre esses inumeráveis intelectuais, uma que se destaca é a historiadora, antropóloga e psicanalista Lélia González. Professora em instituições públicas e privadas, Lélia formulou uma rica e densa epistemologia que buscou articular raça, classe e gênero muito antes da popularização do termo interseccionalidades.
Você já ouviu falar em Améfrica Ladina? Formulado por Lélia no já clássico texto “A categoria político-cultural de amefricanidade” (1988), o conceito está para além de apenas referenciar a condição geográfica dos povos negros nas Américas. Pelo contrário, amefricanidades se refere ao marcador étnico incorporando dinâmicas culturais, sociais e políticas que vão de encontro ao que Lélia sempre dizia da necessidade de reconhecer o trabalho gigantesco articulado por inúmeras tecnologias socioculturais que nos conecta com o outro lado do Atlântico, e que nos constitui como sendo o que nós somos: amefricanos.
E toda essa potência de Lélia Gonzalez continua até hoje a inspirar, sejam os movimentos sociais, seja a institucionalidade do Estado a propor novos velhos caminhos a percorrer. E foi assim, tendo Lélia González como uma espécie de madrinha intelectual, que o Programa Caminhos Amefricanos, uma iniciativa do Governo Federal, possibilitou que 50 docentes, de educação básica no Brasil, pudessem realizar um intercâmbio de curta duração na cidade de Bogotá, capital da Colômbia, onde foi possível conhecer, vivenciar e trocar conhecimentos com estudantes, educadores, gestores, intelectuais e pesquisadores daquele país.
A Colômbia, assim como o Brasil, é um país de desigualdades. Apesar de representar algo próximo a 10% da população colombiana, os negros são as principais vítimas da violência, a cada 10 mortes violentas naquele país, 8 são afrocolombianos. Tanto aqui como lá o racismo atua conformando as relações sociais e políticas, se mostrando de forma estrutural, orgânica e funcional.
Na Colômbia pode-se inferir algumas sínteses do racismo no Sul Global: ele é estrutural, institucional e cotidiano; é negado e invisibilizado no sistema educacional; é um fenômeno estranho a si mesmo, configurando um problema do outro abstrato; cria estereótipos, prejudica e nega a ideia de sujeito; omite a história e cultura de uma perspectiva afrocêntrica; é epistemológico, opera por meio do currículo em um ambiente de controle disciplinar e na gestão dos conflitos; a branquitude é o desejável, o negro é o inferior; predomina um discurso colonial, que cria um regime de representação e modelo de civilização que age no controle das subjetividades.
Porém, tanto na Colômbia como no Brasil há resistência, ânimo, força e energia que vem das ruas, dos palenques, dos raizales, do Almirante José Prudencio Padilla, da poesia de Candelario Obeso; e de Manuel Zapata, que nos ensina que “La presencia africana no puede reducirse a um fenómeno marginal de nuestra historia. Su fecundidade inunda todas las artérias y nervios del nuevo hombre americano.” Viva Zapata, Viva Lélia Gonzalez, Viva a amefricaladina, viva os pueblos amefricanos.
Fonte: https://noticias.unb.br/artigos-main/7780-soy-loco-por-ti-amefrica