Impacto de Trump no comércio mundial
Presidente eleito dos EUA adota postura unilateralista e rejeita OMC, ameaçando impactar economias globais. A recusa de Donald Trump em seguir as diretrizes da Organização Mundial do Comércio preocupa especialistas, que alertam para as consequências de um possível colapso do órgão. Países mais vulneráveis, especialmente do Sul Global, seriam os mais afetados. A visão de Trump diverge da ideia de cooperação internacional baseada em regras, priorizando acordos unilaterais e imposição de tarifas, inclusive sobre importações brasileiras. Especialistas apontam que o desmantelamento da OMC teria impactos sérios, com potencial recessivo a nível global. Na ausência de um sistema multilateral eficaz, países menores poderiam ficar ainda mais fragilizados e sujeitos a pressões de potências econômicas. Apesar disso, há quem veja oportunidades em estruturas alternativas para manter a ordem econômica global, ainda que desafiadoras para nações menos poderosas. O futuro do comércio internacional enfrenta incertezas diante das mudanças propostas pelo governo americano.
O colapso da Organização Mundial do Comércio (OMC) pode desencadear uma recessão global, com efeitos mais devastadores nos países mais vulneráveis. A postura do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação aos órgãos de negociação multilateral, como a OMC, é de desconsideração. O republicano tem enfatizado que essas instituições são prejudiciais aos interesses americanos, mesmo após anos de liderança dos EUA nas decisões e no financiamento desses organismos. Um exemplo é o mecanismo de apelações da OMC, que está inativo desde 2019 devido à recusa de Washington em nomear novos juízes para compô-lo
Segundo o ex-embaixador alemão na China, Michael Schaefer, Trump vê qualquer compromisso com essas instituições como “perda de tempo”. Schaefer destaca que a visão do republicano sobre a ordem global é radicalmente distinta daquela defendida pelos adeptos de um sistema internacional baseado em regras. Dessa forma, o primeiro mandato de Trump (2017-2021) pode parecer benigno em comparação com o que o presidente recém-eleito pretende executar. Schaefer pontua que há uma clara diferença filosófica em relação à forma como a comunidade internacional deveria operar
O sistema internacional baseado em normas, deveres e direitos mútuos foi concebido na Europa com o intuito de pôr fim a séculos de conflitos e guerras. Essa estrutura se expandiu para outros continentes, buscando orientar as interações globais em assuntos de política externa, segurança e economia. Os órgãos multilaterais permitem que a negociação e a resolução de disputas ocorram coletivamente, estabelecendo benefícios e diretrizes para todos os países envolvidos. Contudo, a abordagem “América Primeiro” de Trump diverge completamente desse ideário, priorizando negociações diretas com os parceiros comerciais e utilizando o poder dos EUA para obter benefícios unilaterais
Um exemplo disso é a intenção manifestada por Trump de renegociar o acordo comercial entre Estados Unidos, México e Canadá, visando impor tarifas mais elevadas sobre os produtos dos países vizinhos. Além disso, ele prometeu aplicar uma taxa de importação de 20% sobre mercadorias de qualquer país, enquanto para produtos chineses essa tarifa poderia chegar a 60%. Essas barreiras tarifárias futuras também poderiam afetar as exportações brasileiras, como evidenciado pela declaração de Trump em uma coletiva de imprensa recente, onde criticou as taxas de importação brasileiras e indicou possíveis retaliações
Heribert Dieter, especialista em comércio do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), adverte que um possível colapso do multilateralismo na política global acarretaria consequências severas, especialmente para as nações menos desenvolvidas do chamado Sul Global. Segundo ele, a OMC está enfrentando desafios consideráveis, como a ineficácia de seu mecanismo de resolução de disputas, o que compromete a capacidade dos países de fazer valer seus direitos após conflitos comerciais. O desmantelamento completo da OMC, anulando todos os acordos comerciais vigentes, acarretaria impactos significativos, mesmo para os países economicamente mais poderosos
Um estudo realizado pelo Kiel Institute for the World Economy, sediado na Alemanha, em conjunto com o Austrian Institute of Economic Research, aponta que o colapso da organização afetaria a economia da União Europeia quatro vezes mais do que os aumentos de tarifas propostos por Trump. A Alemanha seria o país mais prejudicado, seguido pelos EUA, enquanto a China enfrentaria as maiores perdas. O estudo também sugere que um mundo fragmentado em blocos liderados pelos EUA e pela China resultaria em danos econômicos ainda maiores. No cenário mais pessimista, o PIB real da China poderia despencar 6%, enquanto o da Alemanha sofreria uma queda de 3,2% e o dos EUA de 2,2%
A batalha contra a pobreza sofreria um revés significativo com esse panorama. A União Europeia, sendo o bloco comercial mais interligado globalmente, conta com 45 acordos comerciais firmados com parceiros ao redor do mundo, porém, são os países menos desenvolvidos que seriam os mais afetados pelo colapso da OMC. Na visão de Dieter, a OMC é fundamental para as nações menores e menos poderosas, que historicamente dependem do mecanismo de resolução de controvérsias da organização para proteger seus interesses. Esses países estarão cada vez mais sujeitos a ceder às demandas, por vezes questionáveis, das nações mais poderosas
Goldberg, ex-economista-chefe do Banco Mundial, afirma que os países menores são os principais prejudicados no atual impasse da OMC. Ela salienta que a integração internacional no comércio é vital para essas nações, uma vez que não possuem mercados domésticos significativos. Ela ressalta que a redução da pobreza ao longo das últimas décadas concentrou-se principalmente nos países em desenvolvimento que possuem laços estreitos com o comércio global. No entanto, muitos países africanos, por exemplo, ainda não conseguiram um papel relevante nesse contexto. A América Latina também enfrenta desafios nesse sentido, com diversos países ainda pouco conectados ao comércio internacional. Alternativas ao intervencionismo americano
Dieter acredita que o otimismo em relação à criação da OMC, em 1995, parece ser apenas uma memória passageira na atual conjuntura. Apesar disso, ele defende que o colapso da organização não necessariamente seria algo negativo, pois abriria espaço para o estabelecimento de estruturas menores capazes de contornar a influência americana. Em estruturas menores, argumenta Dieter, a política comercial poderia alcançar resultados mais eficazes do que na OMC, não significando o fim das relações econômicas internacionais ou da globalização. No entanto, os países menos poderosos do Sul Global enfrentarão desafios consideráveis nesse cenário, conforme avalia Schaefer, ex-diplomata, que alerta para a necessidade de se preparar para o pior que está por vir.