Reeleição se destaca nas eleições de 2024

Especialistas consultados no Brasil apontam que emendas parlamentares, elevada abstenção eleitoral, polarização partidária e alinhamento político com governadores podem ter desempenhado papéis significativos na permanência de muitos prefeitos em seus cargos.

Ricardo Nunes, assim como milhares de outros prefeitos e prefeitas, conseguiu a reeleição na disputa municipal deste ano Foto: Divulgação / BBC News Brasil Reprodução: https://www.terra.com.br/

Nas últimas duas semanas, políticos e analistas têm destacado os partidos de direita e o Centrão como os grandes vitoriosos das eleições municipais deste ano.

O PSD de Gilberto Kassab, por exemplo, ampliou em 36% o número de prefeituras que estão sob sua liderança entre 2020 e 2024. Já o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, registrou um crescimento de 50%. Mesmo o PT, que não alcançou os números de destaque de 2012, seu ápice nas eleições municipais, apresentou um crescimento de 36%.

Contudo, nenhum desses partidos obteve uma vitória tão expressiva quanto a reeleição. Neste ano, a taxa de reeleição atingiu 80,5%, conforme levantamento da empresa de inteligência de dados Nexus, a partir de informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dos 17 candidatos que buscaram a reeleição no segundo turno, 14 conseguiram se reeleger. Este é o maior percentual de prefeitos reeleitos desde 2008, de acordo com dados do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp-FGV).

Em comparação, nas eleições municipais anteriores, em 2020, a taxa de reeleição líquida foi de 64,69%. Esta métrica leva em consideração a quantidade de candidatos aptos à reeleição que efetivamente disputaram e venceram o pleito, excluindo aqueles que poderiam concorrer, mas não participaram das eleições. O que justifica esse crescimento em apenas quatro anos? Cientistas políticos sugerem que o aumento significativo pode estar relacionado ao volume de emendas parlamentares destinadas aos municípios por deputados federais, o que teria “desbalanceado” a disputa a favor dos atuais prefeitos.

Uma outra hipótese está ligada à taxa de abstenção registrada no primeiro turno, atingindo 21,7% neste ano, considerada alta pelo TSE. Um terceiro fator apontado seria o alinhamento entre os prefeitos candidatos e os governos estaduais. Embora especialistas afirmem que é necessário uma análise mais aprofundada dos dados para identificar os fatores que influenciaram efetivamente na taxa de reeleição, eles acreditam que isso pode ter desdobramentos e impactar a formação do Congresso Nacional em 2026.

A reeleição para cargos do Poder Executivo foi estabelecida no Brasil em 1997 por meio de uma Emenda Constitucional. A partir desse momento, prefeitos, governadores e presidentes passaram a ter o direito de se candidatar à reeleição. Desde então, pesquisadores têm se dedicado a analisar os impactos da reeleição no sistema político brasileiro e os fatores que influenciam na reeleição ou não dos candidatos. O aumento na taxa de reeleição observado neste ano segue uma tendência iniciada em 2016, quando 47,97% dos prefeitos que podiam se reeleger e disputaram as eleições saíram vitoriosos. Em 2020, esse percentual subiu para 64,69%. No entanto, um estudo de 2012 dos cientistas políticos Thomas Brambor e Ricardo Ceneviva apontou que estar no comando das prefeituras não necessariamente representava uma vantagem para os candidatos à reeleição em comparação com seus oponentes.

Os especialistas afirmam que as emendas parlamentares podem estar diretamente relacionadas ao aumento na taxa de reeleição. Dados de um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que o valor destinado pelo governo em emendas subiu de R$ 3,43 bilhões em 2015 para R$ 35,3 bilhões em 2023. Uma análise com base no primeiro turno mostrou que quase todos os 116 prefeitos que mais receberam recursos de emendas parlamentares durante seus mandatos foram reeleitos, com uma taxa de reeleição de 98% para esse grupo. Em agosto deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, determinou a suspensão do pagamento de parte dessas emendas até que fossem adotadas medidas para garantir mais transparência e controle sobre seus autores e destinações, uma vez que a falta de critérios claros para a alocação desses recursos levou ao apelido de “orçamento secreto”.

Luciana Santana, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), observa que uma possível relação direta entre a reeleição de prefeitos e os recursos direcionados a esses municípios por meio de emendas parlamentares. Ela destaca que, a partir do momento em que o governo federal passou a ter menos influência sobre as emendas, estas passaram a ser negociadas diretamente entre parlamentares e prefeitos, sendo utilizadas como forma de articular apoio político entre eles. Esse fortalecimento financeiro das prefeituras por meio das emendas pode colocar os gestores municipais em vantagem na busca pela reeleição.

George Avelino Filho, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), ressalta a importância das emendas para os municípios, especialmente os menores, cuja capacidade de investimento é limitada devido à dependência de repasses dos Estados e da União. Ele destaca que os recursos obtidos por meio de emendas são considerados cruciais para investimentos e obras que, de outra forma, dificilmente seriam realizados. Os cientistas políticos concordam que as emendas podem ter tido um efeito significativo na taxa de reeleição, mas ressaltam que outros fatores, como a polarização política e o alinhamento com os governos estaduais, também podem ter influenciado no resultado eleitoral. A abstenção nos turnos eleitorais foi apontada como outro elemento que favoreceu os atuais detentores de cargos públicos.

Quanto à satisfação dos eleitores, os especialistas apontam que a reeleição pode estar relacionada não apenas à percepção de melhoria da cidade, mas também ao cenário político e à competição eleitoral. A reeleição pode trazer benefícios em termos de continuidade de políticas públicas, mas também levanta preocupações sobre a transparência e a equidade na distribuição dos recursos das emendas. A necessidade de alternância no poder, embora importante para a democracia, deve ser equilibrada com os benefícios que a experiência e a continuidade administrativa podem trazer. A análise e o monitoramento cuidadoso desses aspectos são cruciais para garantir um ambiente político saudável e eficaz para a sociedade.

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