Destino final do Titanic no fundo do mar
O Titanic, icônico navio que naufragou em 1912, está sendo corroído por bactérias especializadas em consumir metais. Esses microrganismos vêm gradualmente desgastando a estrutura de aço da embarcação, levando-a ao início de um colapso iminente. Essa descoberta revela um fenômeno surpreendente que ameaça a preservação desse emblemático navio, que se encontra a mais de 3.800 metros de profundidade no oceano Atlântico.
O RMS Titanic já passou mais de 112 anos na total e aniquiladora escuridão do fundo do oceano. Quando afundou com seus 269 metros de comprimento, na noite escura de 14 de abril de 1912, o navio se rompeu em duas partes, lançando uma chuva de detritos por cerca de 3,8 km, até os sedimentos do leito do oceano. Mais de 1,5 mil pessoas perderam a vida, entre passageiros e tripulantes.
Exceto pelas visitas ocasionais dos submersíveis e das missões de salvamento que trazem pequenos artefatos para a superfície, os destroços permanecem intocados no seu lento e contínuo processo de degradação. As imagens de uma recente expedição para o local dos destroços do Titanic, a cerca de 640 km a sudeste do litoral da Terra Nova, no Canadá, revelam os efeitos da deterioração.
As imagens da proa do Titanic, com suas grades características emergindo da escuridão, são emblemáticas desde a descoberta dos destroços, em 1985. No entanto, em 2022, varreduras de imagem dos destroços mostraram que as grades começavam a ceder – e, na visita mais recente ao local do naufrágio, em 2024, foi possível observar que uma parte significativa delas já caiu.
Esta é uma indicação muito clara de como o ambiente extremo das profundezas do oceano está destruindo o que resta do navio mais famoso do mundo. A pressão do oceano acima dele, as correntes de água no leito do oceano e as bactérias que se alimentam de ferro estão levando ao colapso da estrutura. Enquanto isso, o navio causa impactos surpreendentes sobre o habitat marinho à sua volta.
Durante o naufrágio, o Titanic se dividiu em duas seções principais – a proa e a popa. A seção da popa afundou diretamente até o fundo, enquanto a proa submergiu de forma mais gradual. Hoje, as duas seções repousam a cerca de 600 metros de distância uma da outra, sobre o leito do oceano. Espalhado por mais de 2 km entre a parte de trás da popa e até além da proa, fica um conjunto de pertences, equipamentos, acessórios, carvão e partes do navio, que caíram enquanto o Titanic afundava.
A maioria dos detritos se reúne em volta da seção da popa – um emaranhado de aço retorcido. Já a proa permaneceu, em grande parte, intacta. Isso ocorreu porque, quando o navio atingiu o iceberg, o impacto rasgou uma seção rebitada do casco, permitindo que cerca de 43 mil toneladas de água invadissem a proa. E, quando a seção da popa se rompeu, ainda havia compartimentos cheios de ar no seu interior.
À medida que o Titanic submergia em direção ao fundo do mar, a pressão cada vez maior da água fez com que a estrutura em volta desses bolsões de ar implodisse, espalhando metais, estátuas, garrafas de champanhe e pertences dos passageiros à sua volta. Sobre o leito do oceano, o Titanic enfrenta pressões da água de cerca de 40 MPa – 390 vezes mais altas que as da superfície. Mas, como não há mais bolsões de ar no navio, é improvável que ocorram novas implosões catastróficas.
Atualmente, o próprio peso da vasta embarcação colabora para o seu desaparecimento. À medida que as 52 mil toneladas de aço se acomodam no leito do oceano, elas criam uma força de torção ao longo do casco de aço, desmembrando o navio. As sucessivas missões de submersíveis vêm observando o surgimento de grandes fissuras e rachaduras nas placas de aço do casco – e as áreas de convés estão desabando para o seu lado interno.
“A emblemática silhueta dos destroços irá se alterar gradualmente, ano após ano – e não a seu favor”, afirma o arqueólogo marinho de águas profundas Gerhard Seiffert. Em 2022, ele liderou uma expedição para capturar imagens de alta resolução dos destroços do Titanic, com a companhia de mapeamento em mares profundos Magellan. “A queda do segmento das grades, que ainda estava no lugar em 2022, quando estive nos destroços com a Magellan, e o colapso do teto do banheiro do capitão ocorrido anos antes são alguns exemplos”, explica ele.
Seiffert afirma que a corrosão está enfraquecendo gradualmente a estrutura do navio, deixando mais finas as placas de aço, as vigas e outros elementos de sustentação de peso. Como qualquer estrutura de ferro ou aço, o Titanic está enferrujando. Mas, com 3,8 km de água do mar acima dele, os processos envolvidos são diferentes dos que acontecem em terra, onde o oxigênio e a água ativam uma reação química para produzir óxido de ferro.
No Titanic, grande parte da corrosão é causada por bactérias. Os destroços estão cobertos por um biofilme – um cobertor vivo de bactérias, fungos marinhos e outros micróbios. Este biofilme se alimenta do próprio naufrágio. Inicialmente, os materiais orgânicos, como os estofados, travesseiros, toalhas e móveis, serviram de rica fonte de nutrientes para os micróbios que passavam pelas profundezas do oceano, fazendo com que eles colonizassem o local.
Ao longo do tempo, outros micróbios mais extremos também se estabeleceram, talvez arrancados do fundo do mar quando os destroços afundaram, ou carregados por ventos hidrotermais distantes da dorsal mesoatlântica. Diversas bactérias que oxidam o ferro do navio, além de outras produtoras de ácidos, estão se alimentando das superfícies metálicas. E outros micróbios que consomem a corrosão produzida pelos primeiros também foram encontrados se multiplicando pelos destroços.
Os visitantes do naufrágio já observaram que os restos do navio estão cobertos de crostas de ferrugem – formações de estalactites suspensas a partir da estrutura, compostas de metal oxidado. Nelas, mora um conjunto de micro-organismos, alguns em colaboração e, outros, concorrentes entre si.
Durante a expedição do navio russo Akademik Mstislav Keldysh aos destroços, em 1991, os cientistas conseguiram partir uma dessas crostas e transportá-la até a superfície, em um recipiente lacrado. Entre os micróbios descobertos pelos pesquisadores, foi encontrada nos destroços uma espécie de bactéria totalmente nova para a ciência. Ela recebeu o nome de Halomonas titanicae e seus genes permitem que ela decomponha o ferro.
Bactérias redutoras de enxofre também se infiltraram em áreas onde não há oxigênio, como fissuras microscópicas criadas pelo processo de colapso da estrutura. Elas produzem enxofre, que é convertido em ácido sulfúrico na água do mar e corrói o metal do navio, liberando o ferro para que seja consumido por outros micróbios. Os cientistas acreditam que a popa do navio tenha acumulado maiores níveis de danos durante o naufrágio, fazendo com que ela se deteriorasse 40 anos mais rápido que a seção da proa.
“É por isso que a proa do Titanic está se deteriorando mais a partir da parte de trás, onde o navio se partiu, e a deterioração caminha para frente, em direção à região frontal ou da proa, que está relativamente mais intacta”, explica o microbiólogo Anthony El-Khouri, da Faculdade Estadual do Leste da Flórida, nos Estados Unidos. Ele trabalha com o cineasta canadense e explorador dos oceanos James Cameron, para entender como os micróbios estão colaborando com a degradação do Titanic.
“A seção da popa parece estar se misturando com o leito do oceano, pois está totalmente danificada, exceto pelos motores alternativos, a própria popa, o leme e as hélices, que são resistentes, estão mais intactos e, por isso, permanecem um pouco reconhecíveis”, explica El-Khouri.
Um detalhe estranho descoberto por Cameron no interior dos banhos turcos do Titanic durante sua expedição até os escombros em 2005 foi a formação de cristais de corrosão, delicados e sofisticados. O cineasta as chama de “flores de corrosão”. Com um veículo operado por controle remoto, Cameron descobriu que o trabalho de carpintaria em teca e mogno no spa foi preservado de forma incomum, já que os banheiros ficavam em local profundo dentro do navio e, por isso, ficaram livres de oxigênio.
Este ambiente anóxico evitou que as bactérias e outros micróbios pudessem morar ali e danificar a madeira. Em vez disso, os banheiros ficaram cobertos de estranhas ramificações da corrosão, que se elevam até 1,5 metro acima do piso. E, curiosamente, todas essas “flores de corrosão” parecem apontar na mesma direção, seguindo as linhas geomagnéticas.
El-Khouri, Cameron e seus colegas encontraram indicações que sugerem que as “flores” são formadas por colônias de bactérias produtoras de corrosão e bactérias “magnetotáticas” que vivem nos destroços. Estes micróbios incomuns contêm nanocristais de ferro, que fazem com que eles se alinhem aos campos magnéticos. À medida que estas colônias de bactérias se deliciam com o aço do Titanic, elas deixam para trás rastros de corrosão que “florescem” verticalmente ao longo das linhas do campo magnético da Terra, explica El-Khouri.
A imensa quantidade de metal rico em ferro levada pelo Titanic para o fundo do mar criou um ecossistema incomum à sua volta. À medida que se corroem, as partículas de ferro se dissolvem na água à sua volta, que fica enriquecida com um nutriente vital, mas escasso no fundo do oceano.
“O ferro é o elemento mais comum na Terra como um todo, mas o ferro solubilizado é o nutriente mais escasso do oceano, o que limita o sucesso de qualquer ecossistema marinho”, explica El-Khouri. As aberturas hidrotermais vulcânicas costumam ser uma fonte importante de ferro no fundo do oceano. Elas podem ajudar a sustentar uma ampla variedade de formas de vida, enquanto as bactérias desempenham papel importante para disponibilizar o ferro para outras criaturas próximas.
“Os destroços do Titanic se comportam essencialmente como um grande oásis de ferro no leito do oceano – uma fonte de 46 mil toneladas de ferro na forma de um antigo cruzeiro de luxo”, segundo El-Khouri. “Este oásis fornece um cobiçado nutriente, gerando um vibrante recife no fundo do oceano, habitado por estrelas-do-mar, anêmonas, esponjas-de-vidro, corais bentônicos e pepinos-do-mar. E, é claro, colônias bacterianas de ferro.”
El-Khouri e seus colegas descobriram que as bactérias relacionadas ao ferro não apenas comem o ferro do Titanic, mas “também são capazes de respirá-lo” no lugar do oxigênio. “É um ecossistema notável, muito distante do Sol, com implicações sobre os tipos de extremófilos que poderemos encontrar, algum dia, na Europa e em outros oceanos cósmicos fora da Terra”, explica ele.
O ferro do Titanic também causa efeitos sobre o leito do oceano. Fluxos de corrosão se espalham a partir dos destroços à velocidade de 10 cm por ano. Eles se estendem por até 15 cm de sedimento – e estes fluxos de terra estão particularmente concentrados em torno do casco da proa. Ao todo, os cientistas estimam que o Titanic esteja perdendo cerca de 130 a 200 kg de ferro das suas formações de crosta todos os dias.
Por isso, estimativas indicam que o ferro da proa do navio poderá se dissolver totalmente em 280 a 420 anos. Outros fatores também podem acelerar a destruição do Titanic. Da mesma forma que as fortes correntes na superfície podem carregar barcos e nadadores, as profundezas do oceano também são varridas por correntes submarinas.
Elas podem não ser tão poderosas quanto as da superfície, mas envolvem grandes quantidades de água. As correntes submarinas podem ser causadas pelos ventos na superfície que afetam a coluna de água mais abaixo, por marés de águas profundas ou por diferenças da densidade da água, causadas pela temperatura e pela salinidade. Estas são conhecidas como correntes termoalinas.
Eventos raros, conhecidos como tempestades bentônicas (normalmente relacionadas a redemoinhos na superfície), também podem causar correntes esporádicas poderosas, que podem carregar material do leito do oceano. As pesquisas sobre os padrões dos sedimentos no leito oceânico em torno do Titanic, aliadas ao movimento das lulas em volta dos destroços, forneceram indicações sobre a forma em que as correntes submarinas atingem o navio.
Sabe-se que parte dos destroços do Titanic fica perto de um trecho de leito oceânico afetado por um fluxo de água fria em direção ao sul. Este fluxo é conhecido como a Corrente de Contorno Oeste Profunda. O fluxo desta corrente cria dunas que se movimentam, ondulações e padrões em forma de faixas nos sedimentos e na lama. E a maior parte das formações observadas sobre o leito do oceano é associada a correntes relativamente fracas a moderadas.
As ondulações de areia ao longo da extremidade leste do campo de destroços do Titanic indicam que existe uma corrente que flui no fundo do mar, de leste para oeste. E, no local principal do naufrágio, cientistas afirmam que a tendência das correntes é fluir de noroeste para sudoeste, talvez porque os pedaços maiores dos destroços alterem a sua direção. Já em direção ao sul da seção de proa, as correntes parecem particularmente irregulares.
Elas variam de nordeste para noroeste até sudoeste. Nenhuma destas correntes é considerada particularmente forte, mas elas ainda podem criar distúrbios, que farão com que os destroços se desfaçam à medida que se enfraquecerem. “As próprias correntes geradas pelos submersíveis podem causar o colapso de estruturas fracas”, explica Gerhard Seiffert. “Mas elas [também] podem retirar parte da crosta, o que irá atrasar a corrosão naquelas regiões.”
Existe também a possibilidade de que a passagem dessas correntes acabe enterrando os destroços do Titanic nos sedimentos, antes que eles se desintegrem completamente. Mas, antes disso, algumas das seções mais emblemáticas dos destroços poderão desaparecer, como o recente colapso da inesquecível grade da proa, onde Cameron colocou seus personagens Jack e Rose de pé, na famosa cena do filme Titanic (1997).