Juízes do Paraná querem ocultar valores vultosos de benefícios para evitar conflitos

Associação dos juízes do Paraná propõe ao Tribunal de Justiça do Estado abstenção na divulgação de quantias de benefícios extras; proposta inclui ainda a omissão dos nomes dos magistrados e exigência de identificação dos cidadãos que acessarem os salários; tribunal declara arquivamento da solicitação, sem especificar a data

Prédio do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Foto: Divulgação/ TJPR / Estadão Reprodução: https://www.terra.com.br/

Juízes do Paraná, com salários que ultrapassam o limite do funcionalismo público chegando a R$ 200 mil, almejam esconder os valores dos benefícios extras que recebem e exigem a identificação dos cidadãos que consultarem seus vencimentos no portal da transparência. Os magistrados argumentam que a exposição de seus salários gera ‘manchas’ e pode afetar a segurança pessoal e de seus familiares.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) se situa entre os tribunais mais bem-remunerados do Brasil. O juiz paranaense recebeu em média R$ 68,9 mil no ano passado, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em valores líquidos, a remuneração chega a R$ 51,2 mil, ultrapassando o teto do funcionalismo público, estabelecido atualmente em R$ 44 mil.

A solicitação de ocultar os valores dos benefícios foi feita pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) ao TJPR em 24 de abril. O tribunal afirmou que a sugestão foi arquivada, porém sem mencionar a data dessa decisão. Um despacho assinado pelo presidente do TJPR no último dia 15 indicava encaminhamento da demanda. O relatório elaborado pela Amapar frisa que a publicidade dos pagamentos de benefícios elevados ‘coloca em risco a segurança de todos os magistrados paranaenses’.

A associação fundamenta-se na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e alega que a atividade da magistratura é ‘notoriamente de risco’, de modo que o simples exercício do cargo já implica em séria ameaça à segurança própria e da família. ‘A divulgação destes pagamentos pode facilitar a ação de criminosos em ataques cibernéticos. Aliada a outros dados sensíveis, a exposição servirá de incentivo para cibercriminosos praticarem fraudes bancárias em nome de juízes e juízas.’ O relatório também menciona que a exposição dos ‘supersalários’ pela imprensa gera ‘manchas, conflitos e incompreensões’.

Um dos benefícios extras citado pela associação para ser mantido em sigilo é a Gratificação por Acúmulo de Acervo Processual. A Amapar argumenta que este benefício não constitui uma indenização, mas sim um valor já devido, o que não demandaria divulgação. Um levantamento realizado pela Transparência Brasil a pedido do Estadão revelou que em 2023 o TJPR desembolsou R$ 25 milhões em Gratificações por Exercício Cumulativo (que engloba por jurisdição, funções administrativas ou acúmulo de acervo processual).

Dois juízes chegaram a receber R$ 73 mil cada um deste benefício. Além da ocultação dos valores de benefícios extras, a associação sugere que os nomes dos juízes sejam removidos do portal da transparência, mantendo apenas a matrícula do magistrado. Também requer que seja exigida a identificação do cidadão que acessar as remunerações.

Esta exigência de nome e CPF já é aplicada por Ministérios Públicos estaduais. Uma resolução aprovada no final do ano passado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) diminuiu a transparência das remunerações ao obrigar os cidadãos a se identificarem para acessarem os dados relativos a salários e benefícios de procuradores. A exigência de identificação foi proposta também pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) com base na LGPD, porém foi vista por especialistas em transparência pública como um sério retrocesso no direito constitucional de acesso à informação.

Os Ministérios Públicos têm solicitado até número de celular. As solicitações dos juízes paranaenses são assinadas pelo presidente da Amapar, juiz Marcel Ferreira dos Santos. Em 2023, ele recebeu aproximadamente R$ 71,4 mil mensalmente, sendo um dos mais bem-remunerados da corte. No ano, acumulou R$ 1,1 milhão. Em 15 de maio, o presidente do TJPR, desembargador Luiz Fernando Tomasi Keppen, prosseguiu com a demanda e desmembrou o requerimento em três processos.

O tribunal afirmou que a demanda foi arquivada, porém não especificou a data da decisão. ‘O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), em seus mais de 132 anos de existência, sempre honrou a missão de bem servir ao povo paranaense, cumprindo e fazendo cumprir a Constituição e as Leis do país, incluindo o dever de transparência, estando, inclusive, em primeiro lugar entre os Tribunais de Grande Porte, no que se refere ao ranking da transparência do CNJ’, acrescentou.

A Amapar não se pronunciou. Esta não é a primeira vez que juízes do Paraná se incomodam com a divulgação de seus salários. Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu pelo menos 22 ações com pedido de indenização contra jornalistas que publicaram matéria sobre os ‘supersalários’ do poder judiciário no Estado. ‘[Houve um] manejo coordenado de várias ações de indenização idênticas, cuja motivação está relacionada com a divulgação, acompanhada de crítica justificada, realizada pela imprensa acerca dos vencimentos recebidos por agentes públicos acima do limite constitucional’, redigiu a então ministra Rosa Weber, relatora do caso. Ela foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, André Mendonça, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux.

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